sexta-feira, 22 de abril de 2011

Admirável mundo infantil

            Era uma tarde quente em uma cidade quente.
            Parecia que as roupas nunca mais se desgrudariam do corpo, pois o suor escoria. Dentro do carro estávamos eu, minha mãe e a menina que sempre será minha filha. Ela, um pouco gordinha, sentia demais o calor e como não se podia aliviar, naquele dia ainda trazia contigo a praga chamada piolho. Coisa de criança, ela tinha seis anos naquela época.
            E o calor nos consumia. De repente uma vozinha suave diz algo chocante no banco de trás:
            _ Nossa esse calor ta demais Cris. Deus que é esperto.
            Crédula que era demais naquela época e chocada questionei:
            _ Como assim?
            Como se aquilo fosse uma simples frase ingênua de criança ela se explicou:
            _ Ele ta lá no céu, bem no fresquinho, enquanto estamos aqui cozinhando.
            Naquele dia aquilo me pareceu apenas mais uma coisa que criança diz de engraçado. Porém o olhar infantil pode dizer muita coisa.
            Aquela menina que hoje esta no processo de transformação da puberdade, talvez nem se lembre que me deixou uma sementinha de questionamento.
            Seria Deus esperto por nos jogar aqui nessa selva, como animais selvagens, padecendo dores humanas, enquanto fica lá de cima comandando tudo como o maioral?
            Eu aprendi na minha infância que Deus é mau. Você não pode fazer nada que vá contra a lei de sei lá quem (Dizem que é dele mesmo) que ele irá te castigar eternamente. E eu na ingenuidade infantil tinha medo do ditador que ficava lá em cima.
            Lembro-me nesse momento do fato que me afastou totalmente da religião como é vista pelos evangélicos.
            Aos onze anos eu tinha o cabelo completamente despontado e um pouco abaixo da minha cintura. Era diferente das minhas amiguinhas. Os meninos me achavam feia e eu não queria aquilo. Nessa idade começamos a entrar no mundo da concorrência feminina. Num dia, me sentindo extremamente amargurada com aquilo, peguei a tesoura da minha mãe e cortei um pedaço do cabelo. Por saber que Deus era ruim e iria me castigar fiquei certa que haveria uma dolorosa punição. Mas para mim o que mais me preocupava era a atitude dos meus pais, eles reprovavam aquilo de forma veemente. Mas eu estava agora igual as outras meninas, me sentia melhor. Penteei os cabelos e saí com eles soltos. Não me lembro qual foi a reação da minha mãe. Só me lembro que ela contou ao meu pai e naquela noite sentados a mesa ela falava coisas que eu não entendia. Meu pai sim, me deixou uma marca profunda. Sentado, sem reação. A única coisa que se via eram suas lágrimas que não paravam de escorrer.
            Aquilo me machucou. Eu não sabia que algo que me pertencia pudesse fazer tanta diferença para ele ao ponto de fazê-lo sofrer daquela forma.
             Como eu poderia entender aos onze anos? Enchi-me de revolta e disse que aquilo era tolice. Meu pai como se não estivesse satisfeito em me fazer sofrer com suas lágrimas me levou diante do conselho de doze pastores, pedindo a eles que me excluíssem da comunidade por conta daqueles fios de cabelos que com certeza voltariam a crescer.
            Daquele momento em diante eu soube que não queria acreditar naquele Deus tão mau, tão cruel.  
            Hoje entendo que nossas atitudes nos adultos causam por vezes sensações que eles não sabem lidar. Mesmo sabendo que não é o correto, eles nos criam como posses.
            Pena meus pais se venderem ao demônio do medo. Pena meus pais temerem um ditador que não existe.
            Costumo dizer que existem várias formas de se dizer a mesma coisa. Pode se dizer que alguém é desprezível e a mesma te amar eternamente ou te odiar na mesma intensidade. Tenho certeza que em sua ignorância meus pais queriam, e ainda querem que eu me renda ao ditador também, pois disseram a eles que é bom, mas o argumento não foi correto.
            Pais, deixo aqui um pedido amoroso. Deixem seus filhos voarem alto em seus devaneios. No mundo das crianças existem regras que não são para serem entendidas por nós.
            Certa vez, lendo Rubem Alves, entendi isso perfeitamente.
            Ele estava sendo entrevistado por uma jornalista e ela lhe perguntou o seguinte: “Que conselho o senhor daria aos pais?” E a resposta dele foi sublime: “Nenhum. Não dou conselhos. Apenas diria: A infância é muito curta. Muito mais cedo do que se imagina os filhos crescerão e baterão asas. Já não nos darão ouvidos. Já não serão nossos. No curto tempo da infância há apenas uma coisa a ser feita: viver com eles, viver gostoso com eles... ”
            Crianças se espelham em nós. Nossos exemplos ruins podem por vezes desmoronar as fortalezas dos sonhos infantis. Alguns em lamentáveis poucas vezes conseguem contornar, mas esperar que eles consigam isso é bem mais duro do que simplesmente incentivar algo que pode ser bom mesmo que momentâneo.
            Eu acredito em Deus sim. Acredito no Deus generoso que me deu o livre arbítrio e a consciência para discernir o que é realmente errado.


  

O que pensa o assassino?

            O que pensa o assassino?
            Quando desfere o golpe da dor fatal em alguém, o que pensa?
            O assassino merece perdão? Ou será que isso é paga de vida de outrora.
            Às vezes penso que o assassino remói por dentro as dores de cada vida tirada. Porque tirá-las então? Ah, pergunta melhor: o assassino sente? Tem sentimentos? Se os tem, porque mata?
            Qual o poder de um humano sobre a vida alheia?
            Me perguntaram uma vez qual a minha relação com Deus. Deus é Deus e eu sou eu. Que resposta vazia pode ter parecido ao questionador. Por vezes imaginei Deus em um teatro de marionetes, nos conduzindo conforme ele achasse melhor para o espetáculo. Então onde caberia o livre arbítrio se somos regidos como marionetes num concerto de um maestro onipotente, onipresente e onisciente?
            Hoje penso que Deus é nossa voz interior. Sempre disse que pecado é tudo aquilo que você, pelo senso real, se condena. Então minha relação com Deus é de um mero ouvir do meu interior.
            E será que o assassino tem a voz interior o auxiliando? Seria um momento de surto em que bate a vontade de ser sua própria voz interior? Como eu defensora que sou da vida, poderia sequer cogitar entender a mente do assassino?
            Sim, para mim o mundo de um assassino é um mar de interrogações.
            Não ouso encontrar explicação, apenas me entristeço ao saber que tirando uma vida ele aos poucos mata a sua própria e, na certeza que tudo se paga mesmo que os olhos ou ouvidos jamais possam saber, conservo uma piedade mórbida da sofreguidão do assassino.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Vôos da imaginação

            Era uma vez uma formiguinha que queria voar.
            Ela era pequenininha, do tamanho de um grão de arroz. Tinha peso bom para voar com um simples vento, mas ela sempre achava esses vôos ruins. Machucava-se sempre que vento a levantada e a jogava de qualquer forma no chão.
            As amigas da colônia de onde ela vivia zombavam porque ela queria voar.
            _Como você pretende voar Zuca? Vai bater asas agora e ir por ai sem rumo?
            Zuca saía de perto sempre pensando que iria encontrar um jeito de voar. Ela não ligava para o fato de que seu desejo era surreal. Ela queria voar. Era um desejo real dentro de si e para ela isso bastava.
            E os dias prosseguiam normais em sua vida.
            Na colônia o serviço era puxado. Todos os dias acordar cedo e ajudar as outras nos afazeres para que tudo corresse da melhor maneira possível.
            Zuca não podia imaginar o que o inesperado lhe guardará como presente de vida.
            Em uma colônia distante existia um mestre contador de estórias muito famoso que sempre viajava pelas colônias. Quando ele chegava causava sempre um alvoroço, principalmente por conta das formiguinhas pequenas.
            Ele, do alto da sua longa sabedoria, havia ficado sabendo que em uma Colônia distante existia uma formiga que queria voar. Num primeiro instante ficou meio zombador daquilo tudo, mas logo que se deu conta da gravidade daquela intenção, pensou em uma solução mágica para resolver o caso. E assim o fez...
            Arrumou um jeito de ser convidado para contar suas estórias na colônia de Zuca. Ao chegar à colônia procurou informações sobre aquela formiguinha sonhadora e descobriu tudo o que precisava para chegar até ela.
            À noite, quando chegou ao local montado para seu espetáculo, avistou a pobre formiga sentada em um canto isolada. Quando terminou, a primeira coisa que fez foi conversar com essa formiga.
            _Olá companheira, tudo bem com você? Qual o seu nome?
            Ela um pouco assustada, afinal poucas pessoas se preocupavam com o que ela pensava, respondeu:
            _Tudo bem! Meu nome é Zuca.
            Então o contador de estórias continuou:
            _Sua fama vai longe Zuca... Querer voar não é algo normal entre nós.
            _Sim, eu sei. – respondeu a formiga - Mas tenho esse desejo e para mim já basta!
            O calmo senhor olhou por um longo instante e, como quem não queria nada, disse:
            _Existe uma forma de você voar...
            _Sério? – interrompeu a formiguinha com uma esperança gigante dentro do coração.
            _Sério... Eu sempre faço isso quando imagino minhas estórias. Viajo longe em mundos até mesmo nunca vistos por mim! Acredito até que seja por isso que as pessoas gostam tanto delas.
            A formiga olhando intrigada para aquele ancião começou a pensar na forma de como isso poderia dar certo.
            _O senhor poderia me explicar melhor?
            _Claro minha jovem! Imagine que você está em um lindo campo com grama verdinha, o céu esta azul, um sol maravilhoso esquentando seu pequeno corpo. Agora imagine que quer voar para ver lá de cima aquele lindo campo e comece a pensar na imagem que você veria lá de cima. Se sente voando?
            Silêncio...
            _Jovem – Chama o Senhor intrigado com todo aquele silêncio.
            E como que se acordando de um sonho Zuca abre os olhos e diz:
            _Perdão. É que o senhor acaba de me ensinar a voar e voar é muito bom!

 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Simplesmente amor

Estranhamente não consigo falar sobre essa densidade.
Seria um travamento do clarim da alma?
Você tão pura e sedosa...
A bondade que reside em seu coração por vezes me fez chorar sem lágrimas, extasiada pela imensidão de suas verdades.
Como te ouvir falar das dores do passado sem me emocionar? Amor de mãe posso sentir fluindo de você, mesmo somente na intenção de não ferir seu rebento.
Mesmo se protegendo sinto o amor cândido saindo de seu olhar.
As marcas da vida lhe caíram bem, não deixando rugas. As expressões que enxergo são de faltas que sua inteligência bem esconde.
Você mulher, que por coragem de encarar seus medos sem vacilar, me causa espanto e admiração. Sentimentos unidos que formam sua bela imagem.
Ternura misturada com inquietação, podem sim deixar uma imagem incansável de ser encarada.
Olho constantemente para sua vivacidade e me coloco a pensar: teria eu essa fibra quando os dias pesarem mais pela carga da idade? Não me preocupo, pois sei que vivenciei essa possibilidade com o simples fato de te conhecer. Isso poderia ser suficiente.
Por vezes na minha obsoleta ignorância, te deixei ir sem dizer o que me ocorria aqui dentro. São sensações que talvez você não entendesse, porque o mundo te cobrou demais. Eu posso compreender e por isso me silencio.
Posso lhe glorificar por me presentear com o amor em forma humana. Sim, te glorifico! Nada de bajulação melosa e chata, mas real admiração.
O que o meu pudor não permitiu dizer, deixo aqui nessas humildes palavras de devoção. Rogai pela minha falta de paciência. Rogai por favor! Quem sabe assim eu possa me redimir por não dizer tudo que você precisaria ouvir.
Na sua fragilidade me fortaleço. Não que eu queira uma escora para elevações, mas nela encontrei exemplo para ser mais leve. Possivelmente sua alma escaldada não te permita perceber, mas eu caminho pelo vale da gratidão rogando-lhe salvação.
Pode parecer demagogia, mas essas relações que nos uni geralmente são entendidas assim... Trago comigo a certeza que seu nobre coração entende.
Pode parecer bobagem, pois sou efusiva demais, enaltecedora demais de minha natureza. Ainda assim, rogo-lhe perdão por não me expressar por inteiro, ficando a certeza que, por mais ambíguo que possa isso parecer, a grandeza do seu ser lhe faz perceber todas as verdades nas palavras dessa tola fiel.    

Amizade

Amizade é algo sublime quando existe de verdade.
Como já diria a Bíblia: “Existem amigos mais chegados que um irmão.”
Tenho exemplos muito bacanas disso. Tenho uma amiga que conheço há uns três anos. Sempre saímos, curtimos shows juntas, almoçamos juntas em tempos apertados da correria do dia a dia. Para minha inferioridade humana, a companhia dela é sempre muito enriquecedora.
Entre nós nunca houveram cobranças idiotas. Sabemos que cada uma tem sua vida e seus afazeres. Mas quando nos encontramos é como se tivéssemos parado o assunto por uns minutos e déssemos prosseguimento naquele instante.
Tenho admiração por ela. Pela mulher que é, pela mãe que é e pela companheira que é. É o tipo de pessoa que se quer sempre por perto. Não porque só me diz palavras agradáveis ou porque diz que acredita em mim, na minha pessoa e potencial, mas pelas puxadas de orelha também.
Amizade quando é verdadeira nos torna melhores e seguros por saber que temos alguém com quem contar. Principalmente para entender alguns momentos. Já falhei com ela algumas vezes. Ela briga comigo, mas não torna isso um peso que me faça querer fugir dela. Sim, temos tendência a querer fugir das pessoas que nos cobram de forma exacerbada. Já fugiram de mim por algum surto de cobrança e já fugi de alguém que me cobrou demais. Normal para quem é humano.
Em um dos aniversários dessa estimada amiga fomos convidados, um grupo de amigos, a irmos num show com ela para comemorar. Claro que por motivos fortes não pude ir e mandei uma mensagem avisando que não seria possível, porque estava em uma situação difícil. Ela como boa amiga que é me respondeu dizendo: “Entendo, porque sei que você só não vai porque não pode mesmo. Tô preocupada com você se quiser conversar me liga.”
Poderia parar aqui, pois só essa mensagem explica bem o que é a nossa amizade.
Na sociedade de hoje é muito difícil encontrar relações de amizade sem uma competição idiota e mesquinha. Sem a pretensão apenas de se socializar. As pessoas parecem que cada vez mais tem a necessidade de ser o melhor em tudo, esquecendo que o relacionamento com pessoas é o que nos leva a frente. Precisamos e dependemos delas o tempo todo e de todas as formas. A busca pela perfeição se tornou a bandeira da guerra hasteada a todo instante.
Ser humano é fazer a jornada pelo vale assombrado. É preciso ter o coração bom para não ter um ataque cardíaco a cada curva em que aparece uma assombração diferente. Porém, se houverem mais pessoas como minha amiga posso garantir que tudo poderá ser mais colorido e divertido.  
Nessa reflexão em que mais parece uma confissão do meu carinho por ela, deixo um apelo. Sim, um apelo pela busca do humanismo, da essência que escondemos por trás das mascaras da intolerância mentirosa.
Amizade, eu recomendo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Gerar é divino!

            Sempre que passo por balanças penso: Sua idiota, você corrompe as pessoas!
            Por diversas vezes quando estou com alguém na rua que me chama para subir em uma, minha resposta é rápida e até um pouco grossa: Não!
            O questionamento vem a seguir: Porque não?
            Minha resposta está pronta e mais uma vez grossa: Não me rendo à ditadura da balança (beleza)!
            Lembro-me que quando eu era mais jovem a primeira coisa que fazia quando via uma balança era ir até ela, rezando como se fosse uma deusa ou santa que pudesse resolver o sério problema que tinha com a comida. Sim, eu era refém da máscara que as pessoas colocam e exigem das outras para serem aceitas em certas situações.
A questão é: Quando enxerguei que eu não precisava disso? Então como um filme me vem à cabeça...
            Eu apaixonada que sou por crianças, sempre ansiei por ter filhos. Modestamente me considero apta para gerar e numa das consultas com o meu ginecologista lhe contei essa minha vontade:
            _Doutor eu quero muito ter filhos e já me sinto na condição tê-los.
            Ele me olhou por alguns segundos, suspirou forte e me disse:
            _Você não tem condições de ter filhos ainda.
            Olhei para ele que estava com todos os meus exames a mão (tinha feito para um outro problema de saúde) sem nenhuma complicação para isso e indaguei:
            _Porque não doutor?
            Mais uma vez ele me olhou, um olhar que para mim pareceu a eternidade e concluiu:
            _Você teria que emagrecer uns dez quilos para engravidar. Você está gorda e claro que a mulher engorda mais durante esse processo e depois você poderá estar uma “coisa” de feia e gorda.
            Eu simplesmente não acreditei no que eu ouvia. Quem era aquele homem a me apontar os dedos dizendo que eu teria que me colocar nos padrões de sei lá quem para engravidar? Mas não consegui responder e sai de lá extremamente triste.
            Sempre pensei que gerar filhos fosse divino e que para isso precisava apenas de saúde, coração puro e boa vontade.
            Minha atitude foi simples, nunca mais voltei nesse médico. Para mim ele estava tirando a grandeza do ato de ser mãe. Quantas mulheres que não tem a menor condição de gerar filhos estão por aí, enquanto suas crianças crescem em orfanatos. Eu não. Apenas queria a oportunidade de dar ao mundo um ser educado, íntegro e valoroso.
            Esse recado é para o senhor doutor...
            Gerar um filho é divino e se tenho saúde posso te garantir que Deus bem me concederá essa honra. Ao senhor deixo minha pena, pois entendo que se deixar levar pela cultura inútil da sociedade é bem mais fácil do que ver a divindade nas coisas que a possuem. E sim, esse foi o motivo pelo qual o senhor nunca mais me viu ou verá.


Frio e sombrio

                Efusivamente abri os olhos naquele dia frio e sombrio.
                O que havia de estranho nesse dia? Havia acabado de acordar. Nem tinha me dado conta se tinha sol ou o céu estava tão escuro quanto meus pensamentos. Então como poderia dizer que o dia estava ruim?
                Não posso explicar isso. Nem eu mesma entendo. Só sei que o dia não estava bom.
                As sensações estavam obsoletas e vazias. Comecei meu exercício diário de questionamentos. É verdade, questiono tudo a minha volta. Às vezes me pego olhando para mim e dizendo: “O que você estava pensando quando colocou essa roupa?” Realmente absurdo!
                Parecendo mais louco ainda, não ligo se passo a impressão de indefinição. Realmente minha mente esta sempre em busca. Do que temos certeza? Da morte? Dessa nem sei... Para alguns, existem seres milenares vivendo entre nós.
                Então meu dia frio e sombrio...
                Foi quando olhei a minha volta. Estava tudo normal, não existia nada de diferente.   Meu marido, sempre com aquele olhar apaixonado, estava do mesmo jeito. A casa estava do mesmo jeito. Nada mudara de lugar, tudo igualzinho. Tudo terrivelmente igualzinho.
                Então pude perceber que eu estava fria. Meu mundo interior estava sombrio. E começaram novamente os questionamentos: “Como pode, se está tudo bem? Você deve ser louca por sentir falta do que não existe!”
                Porém, faltava algo. Meu dia não estava bem. Meu dia interior estava sombrio. E foi quando descobri que não é fácil perceber o que falta quando se tem tudo. Isso mesmo. É um paradoxo, eu sei. E dentro de mim continuava a falta.
                Não, isso não terá fim com uma grande descoberta. Talvez seja melhor parar aqui, porque é a falta que me faz seguir. Ter falta me faz lutar. A falta ensina mesmo não sabendo aprender. 
                E os dias continuam. Com falta ou sobra, eles continuam e dentro de mim aquele dia foi mesmo frio e sombrio, mas enriquecedor. 

domingo, 3 de abril de 2011

O admirável rei mago

                Quando era criança eu conheci um senhor que naquela época para mim já era velho.
                Tinha um semblante simples. Barba branca, porém cuidada.
                Minha família tinha uma padaria e ele ficava muito ali. Não me lembro exatamente o que ele fazia lá. Sempre pensei que era somente por gostar muito de nós. Meu pai e minha mãe para ele eram reis e eu a princesinha. Na ingenuidade dos meus 11, 12 anos (não sei ao certo), não entendia toda devoção que existia por trás da forma como ele nos intitulara e chamava sempre que queria falar conosco.
                Ele tinha um carinho e uma humildade que me faziam, já naquela idade, gostar muito dele. A vida nos levou a outros lugares. Eu mais ainda, por ir morar em outra cidade anos depois. Por muito tempo não vi mais aquele senhor amigo que sempre muito me marcou. Até sem entender como, sentia saudades. Minha vaidade me permitia gostar de ser chamada de princesinha. Mas ele era genial. Tinha realmente uma admiração até mesmo humilhante por nós. Sempre fomos muito afeiçoados a ele também, só que em uma admiração mais distante. Nunca entendi como poderia me lembrar tanto daquele homem humilde se for levar em conta a pouca diferença que fez em minha vida. Diferença visível e palpável, pois diferença interior ele fez demais.
                Me lembro, quase que claramente de seu olhar, que dedicava toda sua devoção despretensiosa me encarando com amor. Olhar de um querer bem que na minha ignorância infantil eu desconhecia. Ele era um mago que me enfeitiçou. E como se pudesse tocá-lo, me lembrava, lembrava e lembrava... Até mesmo sem motivo para lembrar.
                Minha vida seguiu mediocremente comum. Na verdade para ele éramos ricos, vivíamos bem demais. O que ele não sabia é que estivemos por muitas vezes em situação pior do que a dele. Cresci como se o crescer mudasse alguma coisa naquele quadro medíocre meu. E ele por vezes esteve em meu pensar. Pensava onde ele estaria, se estava bem... Já me peguei pensando em momentos de aperto se também lhe faltava o pão.
                O futuro me reservava mais, muito mais...
                Voltei a morar na cidade em que nos conhecemos anos depois e minha vida seguia normal, sempre me lembrando dele. Num desses dias comuns, em que eu tinha contado o pouco dinheiro para comprar alguma coisa para comer, encontrei com ele no supermercado. Ele nem me percebeu, afinal eu havia mudado muito e acredito que pela idade, já estivesse um pouco desatento. Mas não resisti. Parei ele e disse:
                _Oi! Nem acredito! Que saudade do senhor!!
                Ele me olhou, a princípio com desconfiança, mas logo que me reconheceu com um olhar de surpresa e admiração disse:
                _Princesinha! Quem nem acredita sou eu. Você mexendo comigo no meio do mercado!
                Fiquei sem entender o que ele dizia por trás daquela admiração despretensiosa
                _Como assim meu rei? – Indaguei
                _Você, menina rica, lembrar-se de mim e me cumprimenta no meio do mercado. Sabe como é a gente pobre nunca espera isso.
                Ele não entendia e eu por um instante emudeci. Eu, que estava ali com o dinheiro contado, o encontrara e como se nunca tivéssemos nos distanciado o parava somente para um “oi”. Para ele não. Aquilo me deu a impressão de ser muito mais que isso.
                Ele naquele momento, sem perceber, me ensinara o valor de sermos quem somos porque o que importa é isso e não o que temos. Ele me mostrou que às vezes um gesto pode ser simples para nós, porém movimenta muitas vidas. Terminado nosso encontro saí muda, com um nó insistente na garganta.
                Fui pensando que eu era importante para alguém e o laço que nos unia era esse. Éramos importantes um para o outro, havíamos nos marcado mais do que sequer poderíamos imaginar.
                Como entender esses laços? Talvez a teoria de vidas passadas possa muito bem explicar. Em minha ignorância ainda infantil, também acredito que isso é amor. Pode passar o tempo que for que ainda estará em nós. Tanto é verdade que estou escrevendo num desses dias em que me lembro dele sem motivo algum.
                A ele dedico um REI maiúsculo, pois ele tem um trono guardado em meu coração.

sábado, 2 de abril de 2011

Demônios e deuses

                 Reza a lenda que existiu em uma cidade um homem curandeiro.
                 A cidade era pequena, no interior, muito pouco conhecida. Ele morava ainda mais isolado de toda a civilização, embrenhado na mata.
                Alguns diziam que ele era mau, que fazia feitiços. Para uns, tudo que acontecia de ruim na cidade era culpa do curandeiro que se escondia para não pagar por seus crimes. Para outros ele era um deus. Fazia com que a cidade caminhasse mais leve, tranqüila, pois ficava na mata fazendo preces para todos ali.
                Certa vez esteve na cidade um casal, parentes de um dos moradores. Ali ficaram por uma semana... Visitaram muitos amigos dos anfitriões. Foram a uma quermesse, no final de semana e ouviram muitas histórias. Entre elas, uma sobre o curandeiro que se escondia na mata. Ficaram extremamente intrigados, mas tinham que ir embora e não puderam explorar a respeito disso.
                O tempo passou calado e na cidadezinha tudo corria normal como sempre acontece em cidades pequenas. Pessoas iam e viam e os mitos seguiam, principalmente em torno do curandeiro. E nessa calmaria se passaram 15 anos e aquele casal voltou à cidade, agora com seu filho e um amigo dele de 10 anos. As crianças amaram a cidade, andavam numa liberdade que nem sabiam que existia. O casal, por pouco se lembrar do caso do curandeiro e na tranqüilidade da cidade pequena deixou as crianças bem à vontade.
                Ávidos por novidades corriam para lá e para cá e numa dessas idas entraram pela mata. Ficaram encantados com toda a flora e fauna existentes ali. Foram andando como se não existisse relógio no universo e, quando menos esperavam, encontraram uma casinha simples, envolta por altas árvores, porém muito limpa. Do lado de fora um varal com algumas roupas bem limpas penduradas. As janela abertas e tudo bem claro. Eles pararam atônitos e em suas mentes se perguntavam como poderia alguém viver ali, sem a mínima modernidade possível.
                Eles, ainda inertes em suas vagações a respeito da possibilidade de viver assim, não perceberam que um senhor se aproximara e ele ficara parado observando os meninos assustados com o que viam ali. Sem que os assustasse, o senhor se deixa ver. Os meninos por um instante ficaram com medo, porém logo o curandeiro lhes disse:
                _Olá meninos. Que coisa boa receber visitas, nunca alguém vem por essas bandas!
                Os meninos ainda estavam impressionados. Aquele senhor era branco como a nuvem, tinha os cabelos loiros como o sol e olhos azuis como o mar. Sempre se imagina que vivam em lugares assim índios com caras amarradas, pouca roupa e muita bugiganga espalhada por todos os lugares.
                O homem estava bem vestido e por mais simples que fosse a casa ainda tinha certo refino. Então, como que se acordando de um longo sono, os meninos ainda ressabiados, mas extremamente curiosos responderam:
                _Olá nos só estávamos brincando e passeando. 
                _Oh que coisa boa! – disse o homem – Passear e brinca sempre é muito bom mesmo. Vocês não querem entrar para conversarmos e quem sabe brincarmos um pouco?
                Os meninos sabiam que não se recomenda dar muita atenção a estranhos, porém aquele homem era um estranho diferente. Ele emanava, sem muito dizer, uma calma e paz nunca vista para aqueles meninos. Então eles resolveram entrar. Lá dentro ficaram ainda mais surpresos. A casa tinha três cômodos. Uma cozinha com fogão a gás, geladeira e uma mesa redonda ao canto. Um quarto com uma cama de casal muito bem arrumada e tudo muito limpo. A sala foi o que mais surpreendeu. Nela havia uma pequena mesa em um canto com uma máquina de escrever, uma poltrona confortável, estantes e mais estantes cheias de livros de todas as cores e tamanhos. Ficaram ali parados olhando tudo extremamente admirados e lhes bateu a curiosidade de perguntar:
                _O que o senhor faz aqui escondido no meio da mata? Dizem que o senhor é um bruxo. Alguns dizem que faz maldade e outros, só bondade.
                O senhor soltou uma longa risada e contou aos meninos:
                _Eu sou um escritor e gosto de vir para cá escrever. Não fico aqui todo o tempo não. Por diversas vezes já estive na cidade e nem fui notado. Venho para cá quando quero escrever uma nova história para os meus livros, por isso a máquina e os livros que tenho aqui...
                Essa historia se assemelha aos demônios e deuses que por vezes inventamos em nossa mata interior para vivermos nossas vidas sem a coragem para mudar ou melhorar. Precisamos às vezes ter a coragem infantil para irmos dentro de nós e descobrir quem são os demônios ou deuses que podem por vezes nos surpreender com a possibilidade de sermos nós quem complicamos as coisas e, que os demônios por vezes podem até nos ajudar.