quinta-feira, 31 de março de 2011

Juliana

                 Juliana era uma jovem com sonhos como qualquer outra. Seria como qualquer outra, se não fosse por sua beleza que deixava muitos boquiabertos. Mas Juliana não tinha a real dimensão de toda a sua beleza. Ela passava pelas calçadas da vida sem entender o porquê de tantos olhares pesando sobre si.
                Na Verdade Juliana era triste. Dentro de si questionava porque ninguém a amava, porque ninguém a queria. Reservava-se a algo que realmente fosse ser válido e passava pelas calçadas sem entender todos os olhares.
                Ela tinha fantasiado em sua cabeça como seria o amor ideal. Sonhava como acontece nos contos de fadas. Queria um príncipe em um cavalo branco, mas não entendia que existiam muitos príncipes a querendo. Juliana se esqueceu de perceber que os tempos eram outros. Que os homens não andavam mais em cavalos brancos dentro de armaduras pesadas. Mas era a única coisa que via em seus sonhos de amor.
                Juliana não percebia que todo o dia tinha um olhar que pesava mais do que todos.    Rômulo a olhava tão ávido por ser notado quanto ela. Ele queria que Juliana o notasse. Que entendesse que ele não tinha o cavalo branco e nem uma armadura pesada, mas tinha dentro do peito um amor incondicional.
                Rômulo ficava na janela sentindo o perfume avassalador que Juliana trazia junto consigo quando passava pela calçada. Seus sentimentos eram intensos. Sua barriga doía, suas mãos ficavam geladas e ela passava se perguntando por que ninguém a amava.
                Porque será que ninguém percebia o que era tão óbvio? Rômulo e Juliana tinham que ficar juntos. Aquele amor tinha que ser consumado pelo ardente encontro de suas almas. Mas Juliana passava sonhadora e Rômulo a tudo assistia calado.
                Dizem que Juliana se casou, teve filhos, engordou, ficou até um pouco feia e Rômulo como sempre, a observava sem perceber que o tempo tinha passado e ele estava solitário. Como era triste ver que Rômulo sofria com toda aquela estagnação.
                Então eis que acontece algo demasiadamente triste. O marido de Juliana morreu e quando ela recebeu a notícia estava bem em frente de Rômulo num dos momentos em que passava pela calçada. Ele parado, ficou a olhar sua princesa chorar, sem saber o que fazer.
               Ela, num impulso, corre em direção a ele e o abraça. Rômulo precisava usar aquele momento. Precisava sair da casca. Mas única coisa que Rômulo conseguiu fazer foi ficar parado sentindo o cheiro maravilhoso da sua mulher amada. Rapidamente, o que pareceu para ele uma eternidade, foi apenas alguns minutos. Juliana percebeu o ridículo daquela situação, o soltou e continuou andando.
                Rômulo não esquece até hoje aquele momento sublime para ele. Nunca lavou a camisa que usava naquele momento e viveu a sentir o cheiro de sua amada dizendo:
                _Ao meu amor esse contato já bastou.

Vemelho

Aquele menino vermelho passa por mim sempre com o sorriso preguiçoso.
É, ele tem toda uma preguiça, ora contagiante, ora irritante. Se ele soubesse que eu o observo por trás da minha máscara do quase descaso ficaria feliz.
Observo muito. Admiro muito. Desejo muito. Ele é vermelho, cor da paixão. O que levo comigo, porém é amor. Silenciosamente e até vagamente levo comigo. Carrego esse carinho dentro do meu ser como energia reserva para o que necessitar.
Ele em sua preguiça, me olha, olha e muito olha. Me sinto confortada por ter um olhar que olha para mim. Ele talvez não saiba que eu, aqui dentro, em uma necessidade passional espero apenas por esse olhar para me encontrar.
Ele é diferente. Não precisa de explicações ou convenções. Ele ama porque amar lhe cai muito bem. Ele ama, pois entende que é tudo uma retribuição.
 Ele talvez entenda que a alma precisa mais do que pequenas injeções, precisa de impacto. E, na sua cálida calma, ele me vê passar sem nada dizer, sem muito querer ouvir. Nesse simples entender de olhares segue uma admiração mutua.
Eu o admiro pela calma, pela preguiça até mesmo de falar e ele me admira porque sabe muito ouvir.
Por vezes me peguei pensando em um menino pela sua aparência juvenil, mas meu eu sabe que ali reside um homem pronto para amar, porque amar lhe cai bem.
E como sei que pouco preciso explicar, fico nessas bajuladoras palavras, pois como ele sabe bem observar... Quem sabe assim possa entender que quando passo numa imagem de nada sentir é que o amor mais clama em mim.
Ah se sua calada preguiça pudesse por um instante morar dentro do vermelho de meu coração, saberia que existe uma voz clamando constantemente pelo amor que ele tão bem sabe dar.

Deus é esperto

                Anda me faltando inspiração...
                Tenho sentido que o sorriso do palhaço esconde mesmo dores terríveis.
                Ando me esquecendo de como funciona a pontuação. Quando eu era criança e ainda conseguia sonhar com pureza tudo era tão claro, tão fácil.
                Seria culpa minha não sentir a sensibilidade do momento de agonia? Como já diria Rubem Alves: “Ostra feliz não faz pérola”. Quanta sabedoria existe no pensamento de um homem ao assumir ser alguém comum.
                Eu ainda prefiro pensar que mesmo sendo em meu mundo imaginário, existe a perfeição. Quem sabe assim, nessas máscaras que me imponho em geral eu consiga esconder tanto humanismo.
                Eu precisaria de todas as encarnações possíveis para conseguir entender nossa complexidade. Porque não vimos com manual de fábrica? Dizem que a vida é simples, nós que a complicamos. Então tá. Me bata no rosto da forma que quiser aquele que não se complica às vezes no próprio pensar ou agir.
                Deus é esperto, ele sabe de tudo que rola conosco, porém nos deu a fragilidade da dúvida. Seus robôs (nós) vêm com esse gostoso defeito de fábrica. Eu acho que a dúvida nos dá um certo charme. Nos torna palpáveis. O inatingível fica para os versos de Camões. Deixo lá, com toda a grandeza que lhe é peculiar.
                Aqui fica meu humanismo escondido atrás do sorriso do palhaço. Fico aqui com a vantagem da falha humana que é tão agradável. Bagunce de vez em quando seu recanto e prove-me que errar não é divino.
                Deus é esperto. Deixou-nos a dúvida como uma gostosa falha porque sabe que isso nos aproxima dele, porque quem disse que Deus é inatingível? Quem disse que com o simples virar de rosto eu não possa senti-lo? Independente de como Deus é desenhado para você, ele é esperto porque faz uso de nossas impurezas para nos aproximar dele.
                Nesse momento em que Deus é uma divindade suprema me questiono: Como alguém ou algo pode ser tão puro e usar a impureza para nos aproximar? Tá vendo? Nesse momento ele prova que ser humano, que ter dúvidas e que até mesmo errar é divino!
                Deus é esperto!

segunda-feira, 28 de março de 2011

A verdade choca?

A verdade de um moribundo me chocou certa vez.
Como alguém em cima de uma cama convalescendo poderia conseguir encarar aquela realidade?
Era uma tarde de sábado, o dia pela janela era revigorante para mim, mas existia alguém que precisava da minha atenção. Sabe aquelas visitas que sempre fazemos para ninguém dizer que somos insensíveis? Então, numa dessas visitas lá estava eu, rezando para acabar logo, querendo o dia revigorante que me chamava pela janela. Nesses momentos um minuto parece eterno. Aquele realmente era um minuto de eternidade, quando de repente fui surpreendida por uma observação:
_Você quer muito que isso acabe para ir embora, não é isso? – Olhei em volta assustada, imaginando se havia pensado algo em voz alta. Foi quando me deparei com aquele olhar que me encarava com uma coragem por mim nunca vista. E nesse momento que realmente percebi o doente sobre a cama daquele gélido hospital. Ele continuou:
_Sinta-se a vontade para ir. A mim só cabe essa realidade. Conheço meu fim e sou íntimo dele o suficiente para viver assim e me bastar.
Minha boca emudeceu, acredito que nem o silencio falava por mim, estava claro que eu sofria com aquela sinceridade jogava bem na minha cara.
Questionei-me: como alguém doente pode pensar assim?
Rapidamente me recompus e disse em uma mentira mentirosa:
_Que isso! Muito me agrada passar esse momento com você. Não precisa se sentir sozinho. Estou aqui.
Como eu poderia mentir assim? Principalmente porque era bastante perceptível que estava desconfortável.
Quando acabou a visita me dirigi rapidamente para a saída como se quisesse e pudesse voar. Aquela realidade me causou algo que aquele moribundo jamais poderia imaginar.
A verdade é banal assim? Por que nos chocamos então?
Ele estava tranqüilo com a possibilidade da morte. Seria sua morte uma possível fuga da dor? E por que eu, ainda em plena juventude, me aterrorizei com a visão de algo que nem era meu?
Me deparei com a verdade nua na minha frente e uma dor talvez maior do que a dele me apertava por dentro. Eu precisava entender. Mas como entender aquilo com tamanha facilidade como foram suas palavras?
Fui para o carro com a sensação de que somos pequenos demais para entender o universo das perspectivas humanas. Quem somos nós para entender o sobrenatural por trás da morte.
Minha existência medíocre me batia e eu em silencio apanhava como se pudesse expurgar aquela minha banalidade diante morte.
Poderia facilmente virar o rosto para tudo aquilo, mas não se pode esconder de medos e eu, em minha idiota credulidade, me pus a aprender com sábios demônios do meu íntimo... Calada, idiota e vazia.
 




domingo, 27 de março de 2011

Louco

O zelo excessivo me agride às vezes.
Gosto de me distanciar. Ficar quietinha, vagando pelo mundo distante e estranho dentro de mim. Não, isso não é loucura sem controle. Pode até parecer doença... Hum, doença? Tudo bem, doença. Gosto disso. Gosto de parecer irreal sendo extremamente real.
A ilusão de nossa pretensão às vezes nos causa essas confusões bizarras. Compreenda se puder o paradoxo do que escrevo. Não existe nenhuma pretensão de parecer normal. Normal cansa, entedia.
Talvez toda essa ‘bobice’ de ser entendido pode ser o subconsciente gritando por encontrar caminho. Eu fico aqui, na profunda vagação sem rumo, sem roteiro, sem certezas. Gosto dessas surpresas do raciocínio falho. Quero dizer uma coisa, mas o que escrevo pode parecer milhões de coisas, pode não dizer nada. Ah loucura que rodeia essa busca por nada...
A complexidade de se permitir interpretações pode confrontar o julgamento pesado da massa, mas quem se importa? Quando o frio bate a porta é sempre para nos levar por uma viagem solitária. Empurra, grita, chicoteia. Olha-se para um lado, quem sabe, se der tempo, para o outro lado e nada vê. Sim, ali é apenas seu mundo. Suas vagações sem pretensão. Então onde cabe a afirmação? Em lugar algum, em todos os lugares.
Pode-se dizer que é loucura o tudo e o nada juntos. É, talvez. Não posso ter a intenção de entender quando gosto do profano que isso soa. Isso mesmo, tudo o que foge de um entendimento rápido e lógico beira ao profano, que me agrada demais. Me tira isso se puder. São as armas feitas pelo interior e se existe algo que podemos levar no fim, seria somente o que se carrega por dentro.
Verdades, palavras, entendimento. Tudo contraditório demais para meu fraco entendimento. E daí? Sou profana e isso em mim basta.

Família

Momento em família é algo extremamente relevante e que me traz reflexões valiosas.
Um simples fato de se juntar à mesa pelo menos uma vez ao dia pode nos enriquecer de forma sublime.
Meu marido é o estilo homem super família. Gosta de momentos em que cozinhamos juntos, gosta de ir ao mercado junto e melhor, é o ‘senhor paciência’ em tudo. Surpreendo-me às vezes no trânsito sua calma para nos conduzir até em casa, depois de um dia exaustivo de trabalho, sempre com conversas agradáveis e excitantes.
Não eu não estou fazendo a imagem do homem perfeito porque sim ele tem defeitos. Porém nesse momento reflito: quem não tem? Será que eu seria tão feliz no meu casamento se ele não os tivesse? Essa tal paciência de que vanglorio no começo deste texto muitas das vezes me tira do sério, principalmente porque sou extremamente agitada e intensa.
Recordo-me de vezes em que ele no seu lento raciocínio coloca as coisas no lugar e apenas um segundo depois pergunta onde está aquilo. É bom lembrar que homem já tem certa deficiência do senso de organização e de localização.
O que seria de nós mulheres se não tivéssemos que a todo tempo atender a um chamado deles porque querem saber onde está o cinto, aquela bermuda ou o sapato preferido?
No meu caso criei uma isolante de pensamento e uma tolerância refletindo em como seria meu marido se não fosse exatamente do jeito que ele é, pois foi assim que o amei desde o primeiro instante em que começamos a nos notar de verdade. Com isso, assisto a tudo com um leve sorriso no rosto, zoando de todas essas limitações, fazendo disso um elo cômico que, tenho certeza, nos une mais ainda.
Família, família, família... Magia que no encanta passando pelo aborrecimento, porém sempre na necessidade de se ter uma. Afinal por mais que se diga ser o maioral e viver na solidão que a sociedade nos impõe a cada dia mais e mais, com o crescimento exagerado de tudo numa evolução às vezes até mesmo irritante, a família ainda é a base que nos fez chegar até aqui e principalmente, me fez querer ter a minha e fazer, quem sabe, meu mundo um pouco melhor.
Na conclusão dessa humilde racionalidade familiar me atrevo a dizer: o que seria de nos meros mortais sem a encantadora diferença familiar que nos sustenta na busca da felicidade?
Viva a família!

sexta-feira, 25 de março de 2011

Divagação sem pretensão


 
Peguei-me dia desses querendo muito escrever, porem sem conseguir uma só linha de pensamento, parei para pensar se isso seria fruto do que está em minha volta... Bingo! A resposta é sim!
É complicado quando falta algo ao redor que nos motive a mais e mais...
Normalmente tenho uma intensidade constante, mas muitas vezes o meio em que vivo me suga fazendo uma barreira de pensamentos e conclusões. No geral, o ser humano precisa de alguma motivação para desenvolver coisas que deseja. Claro que não dá para ficar de braços cruzados esperando que o mundo te leve a inspiração.  Às vezes é necessário sair da zona de conforto e ir atrás do horizonte encantado das idéias.
No geral as pessoas que escrevem são sensíveis ou intensas demais. Falam de suas reflexões melancólicas ou de suas descobertas repentinas. Mas mesmo assim em seus mundos precisa de algo a mais...
Muitas vezes me peguei em meio a devaneios alucinantes dos quais achei que nunca haveria volta, pois eram descobertas de coisas que ninguém percebe. Seria isso loucura? Vagar por mundos ilógicos mas reais dentro da minha cabeça pode ser considerado louco, porém ter essa imaginação me fez por vezes estar e ao mesmo tempo não estar em lugares indesejáveis.
O psíquico é realmente encantador e devastador. Encantador por te possibilitar ir além, te deixar voar sem asas e te permitir estar à frente em qualquer universo paralelo. Devastador porque pode te deixar preso num desses universos... Diante do mundo real cada vez mais louco e sufocante seria eu louca ao afirmar que em algum momento todos já sonharam em ficar preso num lugar desses?
Loucura. O que se define como loucura? Antes a imagem que logo vinha à cabeça era de alguém babando em uma camisa de força arrastado por pessoas... Hoje como alguém se atreve a definir a loucura? Seria um estado de espírito? Uma dessas viagens sem volta de algum mundo paralelo? Enfim loucura para mim é o que sua mediocridade se permite limitar, porque nada dentro da imaginação é limitado e somos livres para expor se for necessário. 
A escrita. Uma antiga forma de expressão. Única e viciante. Aliada a imaginação se torna uma ferramenta grandiosa.
Fazendo minha mudança achei um mini caderno daqueles cheio de desenhos que toda adolescente gosta de ter e pude perceber como a escrita sempre teve importância para mim e como ela muda de tempos em tempos, porem sempre sua essência, sua marca permanece. Adorei o que vi e evidenciei a total importância dela em minha jornada.
Se posso, nessa divagação sem pretensão aconselhar alguma coisa, aconselho a leitura e a escrita sempre. Mesmo que seja algo sem razão ou lógica, escrever é talvez a forma de deixarmos uma marca, uma ligação direta e quem sabe inspiração para alguém que esteja precisando.

Descobri

Descobri. Descobri. Opa... sólida dentro de mim. Descobri. O que eu descobri?  
Curvas abstratas não querem me deixar relatar. Apenas descobri. É o que se basta saber já que nem mesmo meu intimo ousa dizer. É tão intenso... Que vontade de contar! Sabe o que acontece?
Existiu em minha vida um menino. Menino simples. Profundo conhecedor do abstrato. Ele sempre chegava perto das pessoas dizendo:
_ Descobri. Descobri.
Nós sempre perguntávamos:
-Descobriu o que fulano?
Ele nos olhava com aquele olhar que nos dizia: “Idiotas. É obvio que não posso contar.” E dizia:
_Basta saber que descobri.
Por muito tempo me iludi achando que ele era louco, doente. Como eu era muito jovem pensava que lhe faltava mãe, porque dele pouco sabíamos. Tínhamos medo de nos aproximar. Aquilo parecia uma doença contagiosa. Como se aproximar? Vai que aquilo pega? Eu sempre por trás da arrogância me permitia zombar dele constantemente. Ele de longe como se estivesse numa nuvem de superioridade me olhava e só olhava. Acho que ele sofria. Mas fazer o quê, eu era jovem! Tá bom, talvez isso não justifique minha atitude tão infame, mas já foi feito e por muito tempo passei ilesa por isso. Sórdida ingenuidade...
Numa dessas manhãs, como qualquer outra, me peguei dizendo:
_Descobri! – E a primeira coisa que me veio a cabeça foi aquele garoto que nunca mais vi. Seu olhar era claro em minha mente, principalmente porque fui zombada pela minha descoberta. Como Roda Gigante, nossa vida também gira. Apesar de nunca ter me sentido no topo pelas inúmeras inseguranças humanas, eu agora esta bem lá embaixo, enxergando o chão em que o nariz daquele menino por muitas vezes encostou.
Talvez se ainda mantivesse contato com ele, hoje seria um dia em que não iria querer vê-lo. Senti meu rosto corar. Uma vergonha tamanha que me fez cobri-lo com as mãos, como se isso pudesse solucionar toda aquela vergonha, a sensação de estar suja, de ser suja.
Poxa, faz muitos anos que nem sequer me lembrava daquele garoto, mas inconscientemente ele era marcante. Ele me deixou de herança saber o valor da dignidade. Pena que demorei muito a usar.
Ah se ele soubesse que eu também descobri...
Hoje poderia enfim quem sabe, contar suas inúmeras e abençoadas descobertas diárias. Mesmo que aquilo tudo fosse fruto de sua imaginação teria quer se valorizado. Nesse momento eu estaria despida, pronta paras as chicotadas dos ensinamentos dele com a certeza que me faz vislumbrar.
Eu queria nesse momento um menino com olhar esperto, sublime e inteligente me dizendo bem ao lado:
_Descobri! Descobri!

Criança

O surreal acontece quando menos esperamos.
Às vezes uma ida a padaria, sentar em um bar para tomar uma cerveja ou até mesmo dentro do ônibus em um dia comum como tantos outros que já existiram.
Num desses dias comuns entrei num ônibus cheio como sempre e fiquei de pé quase na porta por onde entrei. Sim, essa que escreve é uma pessoa normal e beirando a simplicidade.
Sempre procuro lugares estratégicos, de onde posso visualizar tudo dentro do ônibus com o simples virar do meu rosto. Um lugar onde o incomodo de um ônibus cheio possa passar quase imperceptível. Nesse dia isso era simplesmente impossível. Para onde a mudança constante das pessoas dentro do ônibus me levasse era onde iria ficar.
Num dos pontos entra uma jovem com seu filho no colo. Uma criança adorável. Aliás, todas são adoráveis para mim já que sou tão apaixonada por elas. Como sentar naquele tumulto? E, principalmente, como ficar de pé com a criança ao colo? Nesse momento pensei em perguntar se ela gostaria que eu a segurasse já que estava em um lugar melhor, mas outra pessoa ofereceu e a criança não quis. Normal entre crianças. São tão indefesas que vêem nas mães a segurança total de suas vidas. E naquele momento me questionei olhando em volta: como isso é possível? Em um banco estavam dois garotos, que pela sua juventude talvez não percebesse a necessidade real daquela mãe. No outro estava uma senhora com cara cansada e que precisava daquele tempinho sentada. Ao seu lado, uma jovem que poderia ceder aquele lugar. Atrás de mim era impossível ver qualquer coisa.
Os jovens continuaram impassíveis em sua pseudo rebeldia. Na frente deles a senhora e a jovem incomodadas começaram a se movimentar numa timidez idiota pensando em como ceder o lugar. Era perceptível. Quando de repente ouve-se o grito do trocador:
_Pessoal vamos ceder um lugar para a senhora com criança no colo ai, por favor!
_Senhora não, por favor – grita a jovem mãe.
Os dois garotos continuaram estáticos, como se não tivessem ouvido nada. Inertes em sua idiotice. A jovem sentada à frente levanta depressa como se tivesse levado um choque e diz:
_Pode sentar aqui. - Como se sua atitude fosse um favor a ser reconhecido.
Diante de todo esse quadro a criança agia como se fosse alheia a toda aquela situação, sem perceber o amor de sua mãe que a segurava com grande dificuldade. E quando ela finalmente se sentou eu pude chegar bem perto. Fiquei o observando e me enchi de uma sensação de carinho como se a conhecesse desde sempre. Ela, na ingenuidade e doçura do olhar de criança, que consegue perceber coisas imperceptíveis para nós, sempre tão envolvidos na correria do dia a dia, preocupados com desconforto de sermos encostados o tempo todo dentro do ônibus cheio, com as sacudidas do motorista impaciente e infeliz na sua vida do subemprego. Nessa ‘viagem’ de franqueza e percepções apuradas das coisas simples e belas a criança diz:
_ Olha o cavalo! – Que passava tranqüilo como se não percebesse a pressa de todo o resto.
Mais a frente, visualiza um túnel imaginário e insiste o tempo todo em que esteve dentro do ônibus.
_ Olha o túnel! Olha o túnel!
Eu continuei ali, calada, deslumbrada com sua percepção dessas coisas muitas vezes invisíveis para nós. Desci do ônibus com a alma tranqüila. Fui tomada por uma sensação de paz e uma vontade enorme de ter um filho para poder sempre viajar junto com ele por esse mundo onde tudo está sempre bem.
O olhar de uma criança pode nos remeter a épocas em que o mundo era colorido, onde o que víamos era pessoas gigantes que nos bajulavam o tempo todo. Tudo era divertido! Consigo entender. Sim, não sou louca a ponto não entender. Somos reféns apenas de nossas escolhas. Elas dizem muito do que somos. Ninguém pode chegar, nos tirar isso e sair impune.
Quando crescemos perdemos a ingenuidade do olhar que tínhamos em nossa infância. Perdemos as percepções simples de coisas simples. Às vezes, a banalidade do Túnel imaginário daquela criança dentro de um ônibus cheio e desconfortável pode amenizar o cansaço que a correria dos dias curtos nos impõe a viver.
Quem dera se tivéssemos um colo de mãe! Quem dera se pudéssemos nos jogar nele sem preocupações e quem sabe assim poder prestar atenção em coisas invisíveis que, acredito, nos cercam constantemente.

Coragem

A coragem é algo inexplicável. Existem nuances e diversidades nesse campo que muitas vezes me encantam. Pessoas variam muito em seus entendimentos sobre a coragem.
Minha mãe sempre com o olhar assustador, sentada na mesa de casa quando eu era mais nova, me encarava e dizia:
_Você é corajosa demais!
Bom, vejamos, essa é uma perspectiva interessante para abordagem. Minha mãe vem de uma criação de certa forma conservadora e durante sua juventude se tornou evangélica, sendo uma seguidora bastante fervorosa. Por viver durante 18 anos com ela pude perceber que o fator religião vai além de qualquer coisa em sua vida e a comunidade da qual ela participa é bastante rígida.
Eu sempre fui bem desprendida de questões religiosas, o sobrenatural sempre foi muito questionado em minha vida, mas nunca me deixei levar pela maré da religião e suas convenções, que para mim beiram a loucura. Sempre questionei demais, coisa que nesse meio não se pode fazer muito, pois tudo se sente nada se entende. Emoção é o lema deles. Quanto mais, melhor.
Observando todo esse quadro voltei à reflexão do que minha mãe chama de coragem. Com certeza diante da vida de submissão que ela leva eu sempre serei corajosa, audaciosa e muitas vezes abusada. Quando você se permite viver uma vida em que questionar é algo super natural, onde as convenções são para os tolos que sempre esperam algo de alguém, onde a moral é a mascara que o ser humano usa para esconde seus maiores temores e sordidez, realmente pessoas como minha mãe assustarei até demais. O que faço é apenas viver uma vida mais introspectiva. Me socializo, escrevo, converso sobre tudo, mas não me limito a ouvir sem tirar uma lição das verdades que cada um carrega.
Coragem. Ouso dizer que quem teve coragem foi Che Guevara que lutou uma guerra que nem era dele, apenas para por em prática sua filosofia e raciocínio ilógicos para a maioria, mesmo num outro lugar que não era sua nação. Se a minha mãe soubesse que por trás das grades em que se coloca existe um caminho mais coerente e por vezes menos dolorido, correria em sua direção dizendo:
_Esquece tudo que disse minha filha, você pode até ser realmente corajosa, porem até certo ponto...
Pergunto: o que é a coragem?
As atitudes refletem quem somos, mas não aprofundam qualquer definição a ponto de certificar os raciocínios inteiramente. Definir o outro por suas convicções é o mesmo que apontar o dedo por detrás da soberba. Prefiro minha lógica do cuidado ao interpretar, dizer algo a respeito ou até mesmo formular uma opinião sobre alguém. Muitas vezes fazemos coisas assustadoras, pois o momento nos levou àquela atitude. Nossa carga diária por vezes é tão pesada que nos transforma em bichos incompreensíveis e complexos.
Se somos todos iguais, de forma singular, partindo do ponto que é difícil entender até mesmo o começo desse parágrafo, melhor não morar na mente de ninguém.